Comuna de Paris

Comuna de Paris
Consequências do Cerco de Paris durante a Guerra Franco-Prussiana

Uma barricada na Rua Voltaire, após sua captura pelo exército regular durante a Semana Sangrenta
Data 18 de março – 28 de maio de 1871
Local Paris, França
Desfecho Revolta suprimida
Beligerantes
França República Francesa Communards
Guarda Nacional
Comandantes
França Patrice de Mac-Mahon Louis Charles Delescluze 
Jarosław Dąbrowski 
Forças
170 000[1] Oficialmente, 200 000; na realidade, provavelmente entre 25 000 e 50 000 combatentes[2]
Baixas
877 mortos, 6 454 feridos e 183 desaparecidos[3] 6 667 mortos confirmados e enterrados[4] Estimativas não confirmadas variam entre 10 000[5] e 20 000[6] mortos

A Comuna de Paris, eclodida em 18 de março de 1871, foi uma das mais importantes insurreições populares do século XIX. A capital francesa foi evacuada assim que as massas populares a tomaram. Esse evento foi resultado de diversos fatores específicos do período: a crise nacional do regime bonapartista, que começava a declinar; o abalo provindo da Guerra Franco-Prussiana; e, principalmente, a ascensão da ideologia e do desenvolvimento político de ideais socialistas entre o proletariado europeu, expressos pela expansão da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).[7]

Barricade The Paris Commune May, 1871. Andre Devambez, 1911

O advento da Comuna foi considerado por diversos historiadores como o primeiro autogoverno de caráter proletário e popular dentro do contexto de ascensão do capitalismo, o que corroborou ao desenvolvimento de uma consciência de classe dos trabalhadores na França (e na Europa ocidental) no século XIX, algo que ainda não havia ocorrido no século XVIII com a Revolução Francesa, apesar de os ideais jacobinos desenvolvidos neste acontecimento terem sido adotados durante o período da Comuna.[8]

Na descrição de Marx, “a Comuna era composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade. Eram responsáveis e substituíveis a qualquer momento. A Comuna devia ser, não um órgão parlamentar, mas uma corporação de trabalho, executiva e legislativa ao mesmo tempo. Em vez de continuar sendo um instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada de suas atribuições políticas e convertida num instrumento da Comuna, responsável perante ela e demissível a qualquer momento. O mesmo foi feito em relação aos funcionários dos demais ramos da administração. A partir dos membros da Comuna, todos que desempenhavam cargos públicos deviam receber salários de operários. […] Como é lógico, a Comuna de Paris havia de servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Uma vez estabelecido em Paris e nos centros secundários o regime comunal, o antigo governo centralizado teria que ceder lugar também nas províncias ao autogoverno dos produtores. No breve esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo de desenvolver, diz-se claramente que a Comuna devia ser a forma política inclusive das menores aldeias do país e que nos distritos rurais o exército permanente devia ser substituído por uma milícia popular, com um tempo de serviço extraordinariamente curto. As comunas rurais de cada distrito administrariam seus assuntos coletivos por meio de uma assembleia de delegados na capital do distrito correspondente a essas assembleias, por sua vez, enviariam deputados à delegação nacional em Paris […].”[9]

A expansão do movimento socialista desde atuação Proudhon e publicação em 1840 de "O que é a propriedade", passando pela publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels, que já se expressava a tendência crescente de uma avanço do socialismo na classe operária internacional, impulsionada desde a década de 1830.[10] Segundo Engels, “só os operários de Paris tinham a intenção bem definida, derrubando o governo, de derrubar o regime da burguesia”, ainda que “nem o progresso econômico do país nem o desenvolvimento intelectual das massas operárias francesas, contudo, tinham atingido ainda o grau que teria tornado possível uma reconstrução social”. Essa visão cada vez mais dissipada favoreceu questionamentos à República recém-instalada na França depois das derrotas na Guerra Franco-Prussiana, visto que o Estado francês se encontrava em uma condição crítica e caótica, na qual os trabalhadores e camponeses eram os mais prejudicados, ainda que houvesse também uma insatisfação da burguesia francesa com um governo que era meramente representativo.

Apesar de ter durado apenas dois meses [18 de março – 28 de maio de 1871], a Comuna de Paris foi uma manifestação de grande importância para a história das lutas proletárias e seu futuro, mesmo que seja considerada como uma insurreição inacabada por alguns historiadores. Derrubada pelo exército francês e alemão, a Comuna foi colocada pelo próprio Engels como um exemplo do que seria a ditadura do proletariado, importante conceito da teoria marxista.

Já para Mikhail Bakunin, um dos fundadores do sindicalismo revolucionário e dirigente da ala federalista da AIT, que teve decisiva participação na Comuna de Lyon e de outros levantes populares na França entre 1870 e 1871: “O socialismo revolucionário acaba de tentar uma primeira manifestação brilhante e prática na Comuna de Paris. Sou um partidário da Comuna de Paris, que, por ter sido esmagada, sufocada em sangue pelos verdugos da reação monárquica e clerical, não por isso deixou de se fazer mais vivaz, mais poderosa na imaginação e no coração do proletariado da Europa; sou seu partidário em grande parte porque foi uma negação audaz, bem pronunciada, do Estado. É um fato histórico imenso que essa negação do Estado tenha se manifestado justamente na França, que foi até agora o país por excelência da centralização política, e que seja precisamente Paris, a cabeça e o criador histórico dessa grande civilização francesa, que tenha tomado essa iniciativa.

Paris, que abdica de sua coroa e proclama com entusiasmo sua própria decadência para dar a liberdade e a vida à França, à Europa, ao mundo inteiro; Paris, que afirma de novo sua potência histórica de iniciativa ao mostrar a todos os povos escravos (e quais são as massas populares que não são escravas?) o único caminho de emancipação e de salvação; Paris, que dá um golpe mortal nas tradições políticas do radicalismo burguês e uma base real ao socialismo revolucionário; Paris, que merece de novo as maldições de toda gente reacionária da França e da Europa; Paris, que se envolve em suas ruínas para desmentir solenemente a reação triunfante; que salva com seu desastre a honra e o porvir da França e demonstra à humanidade consolada que se a vida, a inteligência e a força moral retiraram-se das classes superiores, conservaram-se enérgicas e cheias de porvir no proletariado; Paris, que inaugura a nova era, aquela da emancipação definitiva e completa das massas populares e de sua solidariedade de agora em diante completamente real, através e apesar das fronteiras dos Estados; Paris, que mata o patriotismo e funda sobre suas ruínas a religião da humanidade; Paris, que se proclama humanitária e ateia e substitui as ficções divinas pelas grandes realidades da vida social e a fé na ciência; as mentiras e as iniquidades da moral religiosa, política e jurídica pelos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade e da fraternidade, estes fundamentos eternos de toda moral humana; Paris heroica, racional e crente, que confirma sua fé enérgica nos destinos da humanidade por sua queda gloriosa, por sua morte, e que a transmite muito mais enérgica e viva às gerações vindouras; Paris, inundada no sangue de seus filhos mais generosos, é a humanidade crucificada pela reação internacional coligada da Europa, sob a inspiração imediata de todas as igrejas cristãs e do grande sacerdote da iniquidade, o Papa; mas a próxima revolução internacional e solidária dos povos será a ressurreição de Paris”.[11]

Os apoiadores da Comuna perceberam que não seria possível sustentar um autogoverno proletário sobre uma estrutura estatal burguesa. Com isso, e a fim de atender as necessidades da classe proletária, a Comuna foi obrigada a substituir essa estrutura por um outro tipo de organização política. Essa foi a maior contribuição da insurreição para o movimento revolucionário proletário, a ideia de que uma reestruturação completa era necessária.[12]

  1. «Les aspects militaires de la Commune par le colonel Rol-Tanguy». Association des Amies et Amis de la Commune de Paris 1871 
  2. Milza, 2009a, p. 319
  3. Rapport d'ensemble de M. le Général Appert sur les opérations de la justice militaire relatives à l'insurrection de 1871, Assemblée nationale, annexe au procès verbal de la session du 20 juillet 1875 (Versailles, 1875)
  4. Tombs, Robert, "How Bloody was la Semaine sanglante of 1871? A Revision". The Historical Journal, September 2012, vol. 55, issue 03, pp. 619-704
  5. Rougerie, Jacques, La Commune de 1871," p. 118
  6. Lissagaray, Prosper-Olivier (1876), Histoire de la Commune de 1871, La Decouverte/Poche (2000). p. 383
  7. COGGIOLA, Osvaldo. A primeira internacional operária e a comuna de paris. In.: Novos Temas: Revista de debate e cultura marxista, n°04. Salvador: Quarteto; São Paulo: ICP; Ano III, set. de 2011; p. 165
  8. COGGIOLA, Osvaldo. A primeira internacional operária e a comuna de paris. In.: Novos Temas: Revista de debate e cultura marxista, n°04. Salvador: Quarteto; São Paulo: ICP; Ano III, set. de 2011; p. 165
  9. Marx, Karl (2011). A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo 
  10. COGGIOLA, Osvaldo. A primeira internacional operária e a comuna de paris. In.: Novos Temas: Revista de debate e cultura marxista, n°04. Salvador: Quarteto; São Paulo: ICP; Ano III, set. de 2011; p. 166
  11. BAKUNIN, Mikhail (2020). A Comuna de Paris e a Noção de Estado. Piauí: Terra Sem Amos 
  12. ANDRADE, Jaqueline. As mulheres na Comuna de Paris: de coadjuvantes a protagonistas. In.: Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina. 2013. p. 30-31

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