A filosofia perene, também chamada de sabedoria perene, é uma perspectiva que foi adotada por filósofos, teólogos e historiadores, em que se enxerga todas as tradições religiosas do mundo como compartilhadoras de uma verdade única, sendo ela metafísica ou a origem da qual todo o conhecimento esotérico, exotérico e doutrinal se desdobraram.[1] Particularmente, ela se consolidou como uma postura filosófica e doutrinal a partir do século XV, em que filósofos renascentistas consideravam a existência de uma verdade única e antiga revelada à humanidade em diversos tempos e tradições, por vezes preservada e transmitida por ritos e textos esotéricos. Em sentido estrito, visava inicialmente a conciliação de doutrinas pagãs, filosofia platônica, judaísmo e o cristianismo; genericamente, refere-se a uma tentativa de abranger diversas fés religiosas ou entendimentos filosóficos.[1][2][3] Seu sentido ampliou-se, porém, com a espiritualidade moderna a partir do século XX.[2][4][3]
Agostino Steuco (1497-1548) cunhou o termo philosophia perennis,[5][1] visando realizar uma "filosofia da harmonia" como resposta católica em meio ao avanço do protestantismo e suas críticas do paganismo no Concílio de Trento, porém seu sentido nem sempre se preservou.[4] O conceito cresceu na era moderna a partir da intensificação de trocas interculturais,[2] tendo sido inclusive um modelo historiográfico adotado por vezes até o século XIX.[6] Tornou-se uma categoria identificável por estudiosos contemporâneos da religião para se referir a tendências sincréticas, unificadoras ou sistematizadoras de cunho universalizante traçadas até mesmo a filósofos helenísticos ou medievais antes da Renascença.[3][7][8][9] Nos séculos XIX e XX, o termo foi também adotado em meio a controvérsias no neotomismo como forma de situar o aristotelismo em resposta à questão moderna.[10][11]
A filosofia perene tem suas raízes no interesse renascentista pelo neoplatonismo e sua ideia do Uno, da qual toda a existência emana. Marsilio Ficino (1433-1499) procurou integrar o hermetismo com o pensamento grego e judaico-cristão,[12] discernindo uma Prisca theologia que poderia ser encontrada em todas as eras.[13] Giovanni Pico della Mirandola (1463-94) sugeriu que a verdade poderia ser encontrada em muitas, e não apenas em duas tradições. Ele propôs a harmonia entre o pensamento de Platão e Aristóteles, e viu aspectos da prisca theologia em Averróis (Ibn Rushd), o Alcorão, a Kabbalah e outras fontes.[5][1]
Antecedentes considerados perenialistas já existiam em pensadores médio platônicos que buscavam a unidade da filosofia numa chamada "antiga teologia" tradicional, como em Numênio de Apameia que dizia: "será necessário voltar atrás e conectar aos preceitos de Pitágoras, e apelar para as nações famosas, apresentando seus ritos e doutrinas e instituições formadas em concordância com Platão, e que os brâmanes, judeus, magos e egípcios estabeleceram";[14][15] e entre alguns cristãos, como em Agostinho de Hipona que referia: "aquilo que hoje é chamado de religião cristã existia entre os antigos e nunca deixou de existir desde a origem da raça humana, até o momento em que o próprio Cristo chegou e os homens começaram a chamar de 'cristã' a verdadeira religião que já existia anteriormente".[16]
Uma interpretação mais popular defende o universalismo, a ideia de que todas as religiões, sob aparentes diferenças, apontam para a mesma Verdade. No início do século XIX, os transcendentalistas propagaram a ideia de uma verdade metafísica e universalismo, que inspirou os unitaristas, que fizeram proselitismo entre as elites indianas. No final do século XIX, a Sociedade Teosófica popularizou ainda mais o universalismo, não apenas no mundo ocidental, mas também nas colônias ocidentais. No século XX, o universalismo foi popularizado no mundo anglófono por meio da escola perenialista inspirada no neo-vedanta, que defende uma origem única e metafísica das religiões ortodoxas, e por Aldous Huxley e seu livro A Filosofia Perene.[17]